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quarta-feira, 8 de maio de 2013

#06 - Doença de Wilson


A Doença de Wilson é uma doença autossômica rara, porém muito importante pois é frequentemente fatal se não descoberta e tratada quando assintomática. Ela ocorre por uma desordem no metabolismo do cobre levando a deposição no fígado, cérebro e outros tecidos.

Metabolismo do cobre:
O total de cobre no corpo do ser humano é de 50-100mg, sendo a ingesta de 2-5mg (dia), através de mariscos, carnes, legumes e chocolate. De 50 -70% do cobre é absorvido no intestino e transportado para os hepatócitos, onde serão incorporadas a enzimas e proteínas de ligação do cobre, como por exemplo a ceruloplasmina.O excesso de cobre forma com a apo-metalotioneina complexos chamados cobre-metalotioneina , ou simplesmente pode ser excretado na Bile. (95% da excreção é feita pela via hepatobiliar).

Etiologia:

Essa doença ocorre devido a um defeito no braço curto do cromossomo 13 afetando um transportador de cobre (uma ATPase) que é produzida pelo gene ATP7B. Há um defeito na incorporação do cobre pela ceruloplasmina e também na excreção pela bile.
O excesso de cobre no organismo leva a formação de radicais livre que oxidam lipídios e proteínas, inicialmente causa lesões nos hepatócitos e com os aumentos dos níveis de cobre cai na corrente sanguínea acumulando em outros órgãos.

Epidemio:
Nos EUA a fre
quência de portadores é de 1:90 indivíduos e a prevalência é de 1:30000 indivíduos. No mundo a incidência é de 10-30 milhões de casos e portador é 1: 100 indivíduos. A apresentação fulminante é mais comum em mulheres.
Um estudo alemão mostrou que os indivíduos que apresentam a doença precocemente terão mais sintomas hepáticos enquanto os que apresentarem mais tardiamente terão mais sintomas Neurológicos. Além disso, a faixa de idade acometida de maneira geral é dos 5 aos 40 anos.

Quadro clinico(QC):

A doença Hepática ocorre em mais da metade dos pacientes se apresentado em 3 formas:
  • Cirrose Hepática (A mais comum apresentação inicial)
  • Hepatite crônica
  • Hepatite Fulminante

Como a doença hepática é frequente é importante não esquecer dos Estigmas da cirrose:
  1. Ascite e circulação colateral
  2. Aranhas Vasculares,
  3. Eritema palmar
  4. Hematêmese
  5. Icterícia


Quadro Neurológico:
A maioria dos pacientes com esses sintomas já tem cirrose hepática.
Os sinais resultante da deposição de cobre (nos gânglios basais )são:
  • Sialorréia
  • Disfagia
  • Distonia
  • Incoordenação
  • Dificuldade com tarefas motoras finas
  • Fácies em mascara
  • Os distúrbios da marcha

A apresentação mais comum é o tremor assimético(Metade dos pctes.)O tremor pode ser de repouso, postural ou relacionado com o movimento. 98% dos pacientes com sintomas neuropsiquiátricos que não receberam tratamento (Quelação) tem os Aneis de Kayser-Fleischer.

Mais o que são os Aneis de Kayser-Fleischer?
Observe as setas marcando o Anel de Kayser- Fleischer


Os anéis de KF são formados por uma deposição de grânulos eletrodensos na membrana de descemet no limbo da córnea. A cor varia de ouro esverdeado a  acastanhado.Podem ser vistos a olho nú ,com oftalmoscópio, lâmpada de fenda ou ginoscópio.É importante notar que os Anéis de KF só são sinais patognomônicos quando associados a manifestações neurológicas, pois podem ser observados também em doenças colestáticas crônicas. Os grânulos são bilaterais e inicialmente se depositam no polo superior da córnea e depois no inferior para só então se depositar perifericamente.

Entre os sintomas precoces temos: dificuldade em falar, salivação excessiva(Sialorréia), ataxia, fácies em máscara e alterações de personalidade. Já entre as manifestações tardias temos distonia, espasticidade, convulsões, rigidez e contraturas(flexão).

Alguns autores dividem o quadro neurológico em quatro categorias:

  1. Parkinsonianos (45%) - distinguido por escassez de expressão e de movimento
  2. Pseudoscleroticos (24%) - Se tremor semelhante a esclerose múltipla
  3. Distonicos (15%) - Caracterizado por hipertonia associado com movimentos dos membros anormais.
  4. Coreicos (11%) - Predominantemente, caracterizada por movimentos anormais associados com distonia coreoatetóides.


Quadro Psiquiátrico (10 – 20% dos pacientes):

Os sintomas mais comuns são: labilidade Emocional, impulsividade, desinibição e auto agressão. Podemos dividir em quatro categorias básicas as anomalias psiquiátricas:
Comportamental, Afetiva, Similar a Esquizofrenia e Cognitivas.

Muscoloesquelético:

São sintomas comuns. Mais da metade dos pacientes tem osteopenia na radiografia comum.Também podem apresentar (20-50% dos casos) uma artropatia que surge geralmente no curso final da doença, após 20 anos de idade, afeta coluna e grandes articulações. Osteocondrite dissecante, condromalacia patelar e condrocalcinose também têm sido descritas.

Hematologico:

Anemia hemolítica é encontrada de 10-15% dos casos.(Hemólise por lesão oxidativa, pelo excesso de cobre).

ATENÇÃO:
Em TODO Paciente com Anemia Hemolitica com Combs Negativo, com elevação das enzimas hepáticas , com fosfatase alcalina baixa ou proporção da fosfatase alcalina para bilirrubina inferior a 2 deve-se pensar em Doença de Wilson.

Renal:

Os genes defeituosos da DW se expressão também nos rins, por isso a lessão pode ser primária ou secundária(Pelo acumulo de cobre).
Pacientes podem se apresentar com a Sindrome de Fanconi, com urolitiase( 16%, resultado da hipercalciuria ou pobre acidificação).Hematúria nefrocalcinose e são relatados, e proteinúria e peptiduria pode ocorrer antes do tratamento, como parte do processo de doença e após a terapia, como os efeitos adversos da D-penicilamina.

Doença de Wilson Fulminante:

O quadro pode ser diagnosticado pela combinação: Transaminases baixas, fosfatase alcalina baixa, hemólise e  Síndrome de Fanconi.

Diagnóstico Diferencial(DDx):
Hepatites e Cirroses, adenoma hepatocelular, Esclerose múltipla, Doença de Huntington, Parkinson, Deficiência α1-antitripsina e Hemocromatose hereditária

Exames complementares:

Os Aneis de KF com níveis de ceruloplasmina < 20mg/dL em paciente com sinais e sintomas neurológicos sugerem DW.Em pcte com hepatopatia isolada com cobre hepático(biopsia) > 250mcg/g de peso seco e baixo nível de ceruloplasmina o diagnóstico está feito. Portanto em pctes sem Anéis de KF ou sintomas neurológicos a biópsia é essencial para o Diagnóstico.

Ceruloplasmina
Ela só aumenta a partir dos 2 anos de idade, 90% dos pctes vão ter < 20mg/dL (Normal 20-40), lembrando que ela é um reagente de fase aguda (portanto aumenta com inflamação hepática, a gravidez, o uso de estrogénio, ou infecção). Ela pode estar falsamente baixa em estados de deficiência proteica. Além disso ela pode estar baixa de 10 -20% dos Heterozigotos sem significado clínico.

Excreção urinária de cobre
Em geral  > 100 mg / d em pctes sintomáticos (Normal  <40 mg / d ), porém pode se elevar em outras doenças colestáticas. Não é indicado como teste de rastreio, porém pode ser usado para avaliar resposta ao tratamento com quelante.

Concentração de cobre hepático

Este ensaio é considerado como o critério padrão para o diagnóstico da doença de Wilson. A biópsia hepática com tecido suficiente revela níveis superiores a 250 mcg / g de peso seco, mesmo em pacientes assintomáticos. A concentração de cobre hepático normal ( 15-55 mcg / g) exclui efetivamente o diagnóstico da doença de Wilson. Uma concentração elevada de cobre hepático pode ser encontrada em outras doenças hepáticas crónicas (principalmente colestática).
Podem ser usados também testes genéticos, e cobre radiomarcado para auxiliar no Dx.
Confira o Algoritmo
Approach to the diagnosis of Wilson disease (WD) in a patient with unexplained liver disease. KF = Kayser-Fleischer ring; CPN = ceruloplasmin. From the American Association for the Study of Liver Diseases Practice Guidelines.


Exames de imagem também tem achados:
TC – Lesões Bilaterais no Ganglio da Base
RM = + sensível e Precoçe que a TC. Lesão em “Face de Panda Gigante”
PET – Redução da Atividade cerebral em gânglios da base.


Achados Histológicos Hepáticos:
As primeiras alterações detectáveis ​​com microscopia de luz incluem a deposição de glicogênio nos núcleos dos hepatócitos da região periportal e esteatose moderada. Apesar consistentemente elevados níveis de cobre hepático em pacientes com doença de Wilson, coloração histoquímica de biópsias hepáticas de cobre é de pouco valor diagnóstico. A taxa de progressão da histologia do fígado a partir de infiltração lipídica para cirrose é variável, Pode ocorrer com ou sem inflamação hepática. O padrão histológico é um de uma cirrose de micro-macronodular macronodular ou mista, com septos fibrosos (contendo predominantemente os tipos I e III, colagénio). O Carcinoma hepatocelular é extremamente rara em pacientes com doença de Wilson em comparação com pacientes com hemocromatose. Pode ser atribuível à expectativa de vida significativamente reduzida em pacientes com doença de Wilson não tratados.
Achados Histológicos Cerebrais:
Observadas alterações anatômicas brutas incluem degeneração e cavitação, envolvendo principalmente o putâmen, globo pálido, núcleo caudado e tálamo. Pouca correlação foi observada entre o grau de comprometimento neurológico e os achados neuropatológicos. As áreas afetadas do cérebro não possuem concentrações de cobre mais elevados do que as partes não afetadas.

Tratamento:

Zinco e penicilamina são medicamentos ao longo da vida para os pacientes com doença de Wilson.É importante estar atento para os efeitos colaterais da medicação. Quando a quelação é iniciada pode haver uma piora do quando neurológico e em alguns casos a terapia tem que ser interrompida usando-se apenas acetato de zinco. Antes do inicio da terapia devem ser solicitados exames hematológicos, bioquímica e urina.

A dieta também é um ponto importante do tratamento. Os pacientes geralmente devem evitar a ingestão de alimentos com alto teor de cobre, tais como o fígado, chocolate, nozes, cogumelos, legumes e frutos do mar (especialmente lagosta). Devese tomar cuidado com água potável que tem que vir de fontes com pouca concentração de cobre (< 0,2 partes por milhão).

Na gravidez os altos níveis de cobre podem causar abortos e a medicação pode ser usada com segurança, não precisa ser interrompida.

Atualmente foi desenvolvido a Molecular Adsorbents Recirculating System(MARS), que são como uma dialise hepática, sendo uma ponte para o transplante hepático.
Outros medicamentos usados ​​para tratar a doença de Wilson incluem os anticolinérgicos, baclofen, antagonistas do ácido gama-aminobutírico (GABA), e levodopa, para tratar sintomas de parkinsonismo e distonia; antiepilépticos para o tratamento de convulsões, e neurolépticos para o tratamento de sintomas psiquiátricos.

É importante se observar os sintomas e complicações da hipertensão portal. E os pacientes devem evitar logicamente drogas hepatotóxicas.

O Acompanhamento:
O acompanhamento do paciente é feito com cobre urinário de 24h, Hemograma, Exames de Urina, cobre livre sérico, função renal e hepática semanalmente nas primeiras 4-6 semanas do início do tratamento .
Pode se avaliar a eficácia do TTo com a ceruloplasmina ou cobre urinário.
Avaliações bimestrais são recomendados durante o primeiro ano, seguido por exames anuais subsequentes. Em pacientes com anéis de Kayser-Fleischer, um exame com lâmpada de fenda anual deve documentar desvanecimento ou desaparecimento se os pacientes estão sendo adequadamente tratados

Prognóstico:
Foi criada uma tabela de prognóstico dos pacientes com a doença ultilizando 3 critérios, bilirrubina, TGO e tempo de Protrombina, estes recebem uma pontuação de 0-4, sendo que se a soma der 7 ou mais o paciente deve ser considerado para transplante hepático. Pacientes com níveis máximos desse escore tem geralmente, segundo os estudos, morrem em 2 meses independente da terapia adequada. O prognóstico nos pacientes transplantados geralmente é muito bom.
Tabela de Prognóstico

9 Pontos Importantes sobre doença de Wilson:
1 - Autossômica recessiva, Cromossomo 13
2 – Deficiência de Ceruloplasmina e Diminuição da Excreção do cobre
3 – Sintomas Hepáticos (Cirrose) e Sintomas Neuropsiquiátricos (Neuro= Ganglio da Base)
4-Afeta também: Coração, Ossos (Artropatia) ,Sangue( A. Hemolitica), Rins(Sind. Fancone,Urolitiase)
5 - Anemia Hemolitica + Combs Negativo + Enzimas hepáticas Altas + F.Alcalina baixa = Pensar em DW
6- D.W. Fulminante:Transaminases baixas+F. Alcalina baixa+Hemólise+ Síndrome de Fanconi.
7 – Anéis de Kaiser Fischer + Sintomas Neurológicos = Patognomônico
8 – Biopisia Hepática (Concentração Cu Hepático) Confirma Dx
9 – TTo: Penicilamina + Zinco + Dieta + Transplante (Em Casos Selecionados)

 Referências: 

  1. Medcape.com
  2. Goldman L, Ausiello D. Cecil: Tratado de Medicina Interna. 22ªEdição. Rio de Janeiro:ELSEVIER, 2005
  3. Merle U, Schaefer M, Ferenci P, Stremmel W. Clinical presentation, diagnosis and long-term outcome of Wilson's disease: a cohort study. Gut. Jan 2007;56(1):115-20
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